27.11.07

1. Ética e Estética

Seria apenas um jogo de futebol não fosse um épico. A começar pelo nome do torneio em disputa: Copa Federação Paulista de Futebol - Heróis de 32. Ingredientes todos, e de primeira. Um estádio emblemático -- tem 78 anos (11/11/1929) e supostamente recebe até 7 mil pessoas (o público foi de 3 mil). Uma bola na trave para cada time. Um pênalti para cada time (um perdido; outro marcado). Gol anulado de um lado. Virada histórica do outro. Um time que passa 92 minutos campeão e toma um gol aos 47 do segundo tempo, mas marca aos 49 e recupera o troféu. Início de briga entre jogadores. Choro dos vencidos. Cena final: o goleiro do clube perdedor aplaudido de pé pela torcida vencedora. Meu caro, se você não gosta de futebol mudará de idéia se procurar uma fita com o teipe desse jogo (os melhores momentos *vídeo* não conseguem dar dimensão do que vi). Se você gosta, vai se arrepender pelo resto da vida por não ter ido à Mooca na manhã de 25 de novembro de 2007.
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O torneio. A Copa FPF é uma delícia. A de 2007 misturou 28 times da Primeira, da Segunda e da Terceira Divisões, que em São Paulo são chamadas de A1, A2 e A3. O torneio existe desde 1999 (veja a lista de campeões abaixo) e coloca seu vencedor na Copa do Brasil -- o vice vai para a Série C do Brasileirão. Na 1ª Fase, dividida em quatro grupos, classificaram-se 16. Na 2ª Fase, também com quatro grupos, passaram oito. Na 3ª Fase começou o mata-mata. A 4ª Fase foi a semifinal. Chegaram às Finais os tradicionais times da Mooca e de Lins. Tradicionais? Sim. O Juventus (Série A1 paulista) tem 83 anos (20/4/1924). O Linense (Série A3), 80 anos (12/6/1927).
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Final, jogo de ida. Apenas 1 ponto separou o desempenho de Juventus (45PG, 14V/3E/5D, 42x19 Gols) e Linense (44PG, 13V/5E/4D, 34x20 gols) antes das finais. Por isso, a equipe grená jogaria por dois resultados iguais -- como os times enfrentaram adversários diferentes, penso que a disputa mais justa em caso de igualdade após os dois jogos seria nos pênaltis. Mas não foi assim, e graças a isso o encontro decisivo foi histórico. Em Lins, no jogo de ida *vídeo* (sábado, 17 de novembro), o Juventus venceu de virada (2 a 1), num estádio lotado. Na volta, na rua Javari, o Linense seria obrigado a fazer dois gols de diferença para levar o título. Aliás, nunca diga "a" Linense porque não existe ofensa maior aos devotos torcedores locais -- é tida como umas das mais fanáticas torcidas do interior paulista.
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A partida decisiva. O Juventus começou nos contra-ataques e, aos 15, faz 1 a 0 com Elias, num chute da intermediária que entrou no ângulo direito. O Linense mandou uma na trave aos 20 e empataria aos 34, com Fausto, mas a bandeira Aline Lambert marcou impedimento. Errou. O Juventus cresceu e teve um pênalti a favor aos 40. Johnny cobrou rasteiro, tirando do goleiro, mas a bola pegou no pé da trave direita. No minuto seguinte, o meia Gilsinho (o 10 do Linense) empatou com chute do meio da área após rebote do goleiro. No segundo tempo, precisando de mais dois gols, o Linense partiu para o ataque e o Juventus explorou ainda mais os contra-ataques. Aos 20 minutos a ordem pra zagueirada da Mooca era a mesma de sempre: dar bicão pra rua dos Trilhos e acabar com as bolas da partida. Aos 38, um lançamento pro meio da área grená foi levemente desviado por Schizo: gol. O time de Lins teria 7 minutos para fazer o terceiro. Aí virou batalha napoleônica. Aos 46, após escanteio, um beque do Juventus tirou em cima da linha. Um minuto depois, ataque do Linense e pênalti. A torcida do Elefante da Noroeste -- como o time é conhecido -- não acreditava. "Vamos fechar a Paulista!", gritou ao meu lado um senhor de uns 60 anos ao lado de cinco amigos da mesma faixa etária. Fausto cobrou e fez 3 a 1. Agora quem não acreditava era o Juventus. O Juventus e sua torcida. O time deu a saída, quase sem forças, mas conseguiu uma falta boba no meio-campo. Um bicão pro meio da área do Linense, a zaga não cortou direito e João Paulo bateu rasteiro, aos 49. A bola foi sacana. Demorou para entrar, quase matando metade do estádio de ataque cardíaco. Gol do Juventus, gol do título.
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Briga, choro e festa. A Mooca urrava com oito erres. A galera festejava como se fosse conquista de Champions League. A do Linense, muda. Alguns jogadores do Juventus correram para a torcida de Lins com a mão em cone na orelha, como quem diz "cadê o barulho que vinha daí?". Foi demais para parte dos atletas vencidos: beque versus atacante, meia versus lateral, alguns empurrões de cada lado, uns tapas esparsos e a coisa acalma. Vi o atacante Fausto, do Linense, agachado junto ao alambrado chorando. O goleiro Gilberto, também do Linense, permanecia sentado na área pequena. Quase 5 minutos depois, se levantou. Foi aplaudido de pé pela torcida juventina -- sim, pela torcida contrária --, que gritava seu nome. Ele agradeceu e encerrou um dos maiores jogos de minha vida.
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ps1. Campeões da Copa FPF:
1999 Paulista (campeão) e Ituano (vice)
2001 Bandeirante (campeão) União Barbarense (vice)
2002 São Bento (campeão) e Jaboticabal (vice)
2003 Santo André (campeão) e Ituano (vice)
2004 Santos (campeão) e Guarani (vice)
2005 Noroeste (campeão) e Rio Claro (vice)
2006 Ferroviária (campeão) e Bragantino (vice)
2007 Juventus (campeão) e Linense (vice)
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ps2. A torcida do Juventus *vídeo* incorporou o espírito argentino de torcer. Cantou o jogo inteiro atrás do gol esquerdo. O jogo inteiro mesmo. A maior parte das canções não era copiada de outras torcidas, ao contrário do que é comum no Brasil. Emocionante.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito belo esse texto! Descreve perfeitamente o clima e o contexto do jogo! Esse dia ficará marcado para sempre no coração de nós, linenses, que contaremos para nos nossos descendentes que o seu pai/avô/bisa esteve no maior jogo de futebol da história! Parabéns pelo texto! Avante, Linense, a torcida mais fanática do Brasil!!